sexta-feira, junho 12, 2009

Sete Sardinhas

(...) A sardinha, tradicional imagem das Festas e dos arraiais populares, associa-se ao conceito, trajando sete novos fatos concebidos por sete artistas plásticos convidados pelo atelier Silva! (...) Sete Sardinhas, sete artistas, sete olhares diferentes sobre a cidade de Lisboa.
Nuno Saraiva
Nuno Saraiva, autor de banda desenhada, erotiza a sardinha, cobrindo-a de seios femininos em vez de escamas. “Quando me convidaram para fazer esta sardinha, pensaram no meu tipo de trabalho, um cocktail que envolve crítica social, política e erotismo. Procurei fazer algo de saboroso. Pensei numa sardinha política que só acabava por ser um carapau de corrida. Depois tive uma idéia parola, a de desenhar uma sardinha fálica mas não achei piada nenhuma. Não passou de um entusiasmo de copos entre amigos. Lembrei-me então da obra dos gráficos e desenhadores de final do século XIX e das maminhas do Bordalo Pinheiro. Acabei por fazer um trabalho exaustivo de pesquisa de várias maminhas de todos os tipos e feitios, tons de pele, alegres, tristes, para a frente, para trás, pêra, pêssego, carica, bóia… juntei tudo e comecei a pintar por tons e a mexer com os volumes. Coloquei as maminhas orientais em cima para dar brilho as de África negra mais em baixo para criar contraste. As maminhas dos países nórdicos ficaram no centro para estabelecer uma linha de equilíbrio. Com uma observação atenta, reparamos que algumas têm tatuagens, outras piercings e podemos encontrar aí uma Lisboa moderna. Há dez anos atrás, faria uma sardinha cinzenta, hoje com o multiculturalismo da cidade a sardinha saiu mais colorida”.

João Maio Pinto
João Maio Pinto, designer e ilustrador, criou uma sardinha arcimboldiana composta inteiramente por elementos vegetalistas, flores e frutos, procurando reflectir a fusão do homem com a cidade através da natureza. “Nasci no Caramulo onde a natureza foi sempre vista do ponto de vista humano, por mais luxuriante que fosse. Esta zona é uma das pioneiras da arquitectura paisagística em Portugal. Mas mal cheguei a Lisboa, senti-me em casa. Interessa-me a possibilidade que a cidade oferece de conciliação com a natureza. Os apontamentos de Lisboa onde a natureza surge desenhada e planificada pelo Homem: Belém ou a Tapada da Ajuda. Locais que resultam da influência de pessoas que não eram de aqui ou que não viviam só aqui: de África, da Índia ou do Japão. Marcas que Lisboa sofreu ao longo dos tempos e que foi assimilando através dos jardins e que se manifestam nos motivos vegetalistas exóticos e de muita cor. A minha sardinha tem que ver com o que vem de fora e é exterior a Lisboa. Esta é, por isso e de certa forma, uma sardinha estrangeira com um imaginário barroco, que não quis que fosse de época mas que surgisse actualizada”.

Luís Henriques
O desenhador e ilustrador Luís Henriques concebeu uma sardinha evocativa do universo e do traço de Stuart Carvalhais. “O trabalho resulta de uma encomenda específica. Ao contrário dos meus colegas, aos quais foi dado um tema livre sobre Lisboa, foi-me pedido que encontrasse uma sardinha à maneira do Stuart. Aliás, a sardinha original não tinha esse pedaço de cor, porque considerei mais característico o desenho a preto e branco. A tarefa era difícil, procurei conjugar um traço sintético que evocasse uma pincelada rápida com uma ponta de humor, daí o olho e o sorriso da sardinha. Se o imaginário da Lisboa de Stuart se alterou – as varinas, os pedintes, as mulheres elegantes que já não são as mesmas – o seu trabalho mantém-se como um dos mais importantes no domínio das artes gráficas em Portugal. Por isso tentei reproduzir o seu traço aparentemente casual mas premeditado, reforçando-o com o X que aparece na cauda e funciona como uma cruz e com o pormenor de textura no lombo que são letras – à la Stuart – que funcionam como assinatura e que não são mais do que o contrato de trabalho posto na própria ilustração”.

Bela Silva
Bela Silva, pintora, escultora e ceramista, apresenta uma sardinha barroca inspirada nos ornamentos dos painéis de azulejos do século XVIII. “Foi muito complicado porque não podia sair da morfologia da sardinha, mas quando vi o desenho do Pedro Proença com o chapéu alto, resolvi sair da linha e fazer uma mulher, uma sereia. É uma obra que sugere relevo e que podia muito bem ser uma peça de cerâmica com estas entradas e saídas, muito diferente de todas as outras que são mais gráficas. É também uma homenagem ao Tejo, um rio maravilhoso que atravesso todos os dias. Lisboa não seria a mesma sem ele. Nasci em Almada mas tinha um avô que vivia em Lisboa perto da Assembleia da República e de um restaurante indiano onde almoçávamos aos domingos. Mas foi só quando vim para Belas Artes que comecei a frequentar mais a cidade. Sempre que queria fazer um pouco de noite vinha para Lisboa. Acabava por perder o barco e ficava duas ou três horas à espera do próximo. Comecei assim alguns namoros. Estava ali com um amigo e enquanto o barco não chegava tínhamos que nos entreter de alguma maneira”.

Henrique Cayatte
Henrique Cayatte, designer e ilustrador, procurou sintetizar a forma como vê Lisboa na representação de uma sardinha mãe. “Esta é uma sardinha mãe, tem filhos que são o futuro da cidade e que se passeiam no rio. A sardinha somos todos nós. Todos temos irmãos, amigos, filhos, todos passeamos em grupo. A cidade é uma cidade de pessoas e a sardinha é uma metáfora. Nasci em Lisboa, eu e o meu irmão andávamos de mãos dadas com a minha mãe pela cidade. Viajo muito, mas fico sempre em Lisboa à espera da Primavera. Lembro-me de levar a minha filha à escola e dela notar que os jacarandás da D. Carlos I já tinham florescido porque têm uma cor muito bonita. Começo pela Feira do Livro e espero que o tempo fique bom para andar a pé, que é um dos grandes prazeres que esta cidade oferece. Como sou designer, tenho uma memória visual muito forte e sinto nostalgia pelas coisas que já não existem, mas satisfação com a capacidade de regeneração da cidade. Este novo tipo de comércio que existe no Bairro Alto é incrível, a própria forma como as lojas se apresentam, como os franceses dizem “com três vezes nada”. Nem se pinta a parede, colocam-se objectos. Isso é extraordinário. E a partir das quintas-feiras vêem-se mares de gente em todos os lados, sobretudo jovens. Isso deixa-me muito feliz”.

André Carrilho
Conhecido pelas suas caricaturas, André Carrilho define-se como ilustrador porque considera o conceito de ilustração mais abrangente que o de desenhador ou caricaturista. “A minha actividade de caricaturista surge muito ligada à ilustração, é quase uma subcategoria da ilustração. Faço muita caricatura incorporada na ilustração”. André propõe-nos uma sardinha que evoca o eléctrico de Lisboa. “O resultado final sugere a idéia do metal da patine do tempo, utilizando o farol do eléctrico como o olho da sardinha. Procurei dar um carácter mais urbano à sardinha. Também pode ser um brinquedo de lata ou um submarino. Não racionalizo muito o trabalho. No entanto, esta sardinha corresponde muito às minhas referências da Banda Desenhada e da animação do Yellow Submarine. O eléctrico foi um ponto de partida para criar algo que pode ser identificado com ele, mas não faço muita questão disso. Sou da Amadora mas vivo em Lisboa desde os dez anos de idade. Gosto imenso das festas da cidade. Estou sempre a dizer aos meus amigos estrangeiros que têm que vir a Lisboa na altura das festas, principalmente do Santo António. Nesse aspecto, considero-me um lisboeta de gema”.

Pedro Proença
O pintor Pedro Proença imaginou uma sardinha com a irreverência e a ironia do seu trabalho habitual, vestida a preceito para as Festas de Lisboa: papillon, chapéu alto e bengala. “É uma sardinha chique porque também há uma Lisboa chique embora não seja a mais recomendável. A sardinha vai para as festas populares como para um grande baile, para não dar uma imagem miserabilista da cidade. A sardinha passa, portanto, a ser uma coisa chique, um alimento rico e as sardinhadas uma coisa fantástica. Nasci acidentalmente em Angola mas vivi sempre em Lisboa desde os oito meses. De vez em quando tenho umas zangas com a cidade porque têm muitas obras ou assim, mas neste momento tenho uma óptima relação com ela, provavelmente por causa da crise. Lisboa tem uma actividade cultural bastante grande que necessita de maior divulgação e de uma movimento de debate mais forte. É uma cidade maravilhosa, feita de colagens muio excêntricas, de palimpsestos de muitas épocas, umas em cima das outras: góticas, barrocas, modernistas... houve uma altura, na minha fase de adolescente, em que não me relacionava muito com as Festas de Lisboa, mas depois passou-me. O Santo António é o nosso Baco, um santo dionisíaco e há uma pulsão forte no ar na altura das festas. Apetece ir para a rua. Talvez para comer umas sardinhas”.
Fonte: Agenda Cultural da Câmara Municipal de Lisboa
Festas de Lisboa Junho 2009

7 comentários:

João Menéres disse...

RR

Não pedes. Mas se pedisses a opinião sobre qual "vestido" eu votaria, podes estar certa que era o do Luís Henriques !

O do André Carrilho, com a dobradiça, também está bem imaginado.

Bj e bom Domingo.

roserouge disse...

São lindas, estas sardinhas! Não consigo aumentar a primeira, não sei porquê! Foram todas feitas da mesma maneira...

Jorge Pinheiro disse...

A mais saborosa é a sardinha barroca, mas agora não é boa altura para comer sardinhas, são todas congeladas e moles. É deixar passar os Santos.

roserouge disse...

Já apanhei sardinhas deliciosas, este ano, fresquíssimas. Lindas, a saltar...

Anónimo disse...

Deliciosa postagem!

Maravilha de ideia e resultados!

Viva a sardinha!

pureza disse...

Bela Silva e João Maio - lindos trabalhos. A postagem está um mimo.

roserouge disse...

Adoro sardinhas! E então na companhia dos amigos... bem, já estou a ficar cheia de fome! A esta hora, só me posso contentar com uma sandocha de queijo...