Lembro-me perfeitamente do momento em que esta fotografia foi tirada. Era domingo e a família Cunha foi à praia, aproveitando uma das folgas que o meu pai tinha enquanto não ia para o mato. Naquela época, durante a guerra colonial, dizia-se "ir para o mato" quando os rapazes iam combater. Durante o tempo, alguns meses, em que o meu pai não estava, não sabíamos nada dele. Nem um telegramazinho nem nada, completamente desaparecido em combate, lá para cima para o norte, na região de Moeda. Era tudo muito secreto. Eu e a minha mãe ficávamos sózinhas na cidade, (a minha irmã só chegaria em 1968) morávamos no Bairro do Malhangalene, um local muito simpático na altura, muito vivo, cheio de famílias e crianças. Das coisas que me lembro melhor era da loja dos frescos. Ficava em frente à nossa casa e, como o nome indica, só vendia produtos frescos, tipo legumes, fruta, queijo, manteiga, leite, iogurtes, pão e as melhores pastilhas elásticas do mundo. Eram uns rectângulos cor de rosa, com um sabor único e vinham da África do Sul. Naquela época, tudo o que era bom, vinha da África do Sul. Até os iogurtes, a Canada Dry e a Coca-Cola. Cá não havia, o Salazar proibia.
E então, como eu ia dizendo, fomos à praia. O meu pai pegou na sua Cannon e vai de tirar retratos à família. A minha mãe punha-me aquela touca de borracha na cabeça, com dois ursinhos cor de laranja a jogar à bola, eu não gostava nada, arrepelava-me o cabelo todo, fartava-me de refilar. A bóia era vermelha e branca e ia fugindo quando a minha mãe me tirou lá de dentro e me pôs às cavalitas. "Ai a bóia" - disse ela - e o meu pai "snap", naquele preciso momento. Eu estava mais preocupada em ficar bem na fotografia, bóias há muitas. Depois da praia íamos para o Criador comer gelados ou para o Piri-Piri beber laurentinas, comer frango, camarões, lagosta e outros mariscos. Eu ainda não bebia cerveja, só tinha 5 anos. Mas já comia camarões e lagosta. E comia iogurtes, os tais que vinham da África do Sul, em frascos de vidro, de dois tamanhos diferentes, o grande e o pequeno, com tampinhas de alumínio, muito brilhantes e de diversas cores, consoante o sabor. Os meus preferidos eram os de laranja. E enquanto eles estavam ali a curtir com os amigos, eu ficava a olhar de boca aberta para os bifes e bifas (sul-africanos), que enchiam a cidade, andavam por todo o lado e eu nunca tinha visto gente tão grande, tão branca e corada, tão loura e com aqueles olhos tão azuis. E quando me dava o sono, os meus pais juntavam duas cadeiras, deitavam-me ali e "olha, dorme lá aí um bocadinho então que a gente já vai para casa, tá bem?" E eu dormia mesmo. Nunca gostei de ser formiga no piquenique de ninguém.
20 comentários:
Muito bom! Adoro um pouco de histórias pessoais e verdadeiras! Da mais credibilidade às personas virtuais!
Parabéns. Conte mais!
Hei-de contar. Fartei-me de ligar à minha mãe hoje só para confirmar algumas coisas que já não me lembrava muito bem...rsrsr
As pastilhas não eram Bazokas?Porque se chavam laurentinas às cervejas? Quanto tempo ficaste lá? Hoje é só perguntas. Contunuo a desejar...
BÉ
Já foste contactada por um empresário (já foi e quer voltar a ser, pelos vistos!), para te contratar sazonalmente para um projecto de Rotas (não é derrotas!) ?
Não?
Fala a esse aí em cima.
Ele explica.
Oh ! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras,
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Como são belos os dias
Do despontar da existência!
- Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é - lago sereno,
O céu - um manto azulado,
O mundo - um sonho dourado,
A vida - um hino d'amor!
....etc......
Casimiro de Abreu, "Meus oito anos"
Nunca fui a África e, no entanto, quando leio textos como este, tenho a sensação de estar sempre a regressar, vindo daqueles lados.
Por essa altura (mais ou menos) só via "os rapazes" a desaparecerem em viagem em direcção a esse mato maldito que comeu tantos deles.
Bé, meu esposo é de 68. Será que vc e eu somos do mesmo ano, hahahhahahah!!!
Tá com saudades desse tempo, é?
Bjus
ahahahahahah! e eu cheguei 6 meses depopis que vc, hahahahhahah!!!
Jorge, não me lembro do nome das pastilhas, até porque ainda não sabia ler...rsrsr. Mas lembro-me do sabor. Nunca mais comi pastilhas tão boas na minha vida. A cerveja chamava-se Laurentina; Laurentina, a cerveja para grandes sedes! rsrs. Mas havia outras, não me lembro dos nomes.
Sim senhor!Para quem só tinha 5 anos e nos anais familiares não haver nada escrito dessa época, não está nada mau
Eu
Bazukas, não era Bazokas! Não tinham uma bandinha desenhada embrulhdada lá dentro?
Não me lembro, se calhar tinha e se calhar até vinha escrita em inglês. Pra mim era igual, eu não sabia ler! rsrsr Mas lembro-me de umas Bazukas com bd lá dentro, mas era cá, não lá!
Ahhh, talvez.
Que historia gostosa... da pra contar mais!?
In time, Alice, in time...
Nessa época estava interno no colégio Instituto Portugal (ao pé do hospital e da pastelaria Real - numa rua perpendicular à Massano de Amorim e que terminava no Clube Militar) e lembro-me bem por causa do ciclone "Claude". A rua do colegio ficou completamente submersa e para nos miudos foi uma verdadeira diversao... Recordo-me tambem dessas chuingas, pois eram vendidas à porta do colégio e na pastelaria. Mas tambem me recordo que já nao dependiamos da Afica do Sul em tudo: Havia os Yorgurtes da cooperativa (que tinha umas tortas de sorvete deliciosas, os chupas de laranja, os chupas de leite e chocolate tibi (?), os chocoleites) a canada dry que era produzida e engarrafada na Namaacha (a agua de lá era e é fabulosa). Para alem da Laurentina tambem havia e há a 2M, havia a Impala e a Manica, embora esta ultima se consumisse mais na cidade da Beira. E quem se lembra dos barquilhos, das chamussas e dos rissois de camarao e das sandes que eram vendidas na rua por vendedores que circulavam em biciletas de tres rodas com uma enorme caixa na frente... E o Luna Park, os circos Texas e Mariano? E o palhaço Pepito? A piscina dos Velhos Colonos, onde aprendi a nadar e a competir, a pastelaria "Dominó" - que tambem foi "galito", os gelados do Ciao (uns anos mais tarde) o miramar (onde na minha adolescencia se ia "engatar" bifas nas ferias)as torradas do Scala e do Continental... Enfim, um desfilar de recordacoes...
Boa, Walekaya! Não consigo lembrar-me de tanta coisa, era muito pequenina. Também morei na messe de sargentos e anos mais tarde na messe de Oficiais, no prédio Funchal. Adorava lá voltar...
Afinal aquele anónimo que assinou "eu" é o meu pai. Falei agora com ele. Peri, ele gostou muito do poema que puseste aí do Casimiro de Abreu. Também gostei. Ele perguntou:
- O Peri também é poeta?
- Não, é arquitecto.
- Ah, tá bem, que lindo poema!
rsrsrsr...
Roserouge,
A trabalhar o riso interior (o cérebro nao distingue a diferença) . Ai, os cuidados das mães naquela altura deu para rir (tb tinha q usar touca e às vezes tampões nos ouvidos q, qdo era pra sair da ´gua até davam jeito).
Gostei da expressão "ai a bóia".
Só prova q podemos ser felizes (e fazer outros felizes) quando queremos... basta viajar (e partilhar) para bons momentos. Gostei "nao ser formiga em piquenique".
E só noutro dia, descortinei seres tu a famosa Bé que anda de boca em boca, rs (Tb ñ percebo, ja te estava a seguir no arco-iris mas aqui nada)...
Um bom fim de semana, com viagens prazeirosas, em que tempo, ñ importa!
Memórias...sempre uma delícia lembrá-las e colocá-las em palavras..queremos mais..bjs
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