Deitada na maca, o médico perguntou forçando os dedos contra meu peito:
- Onde dói?
Franzi a testa, arreganhei os dentes e... desci.
Desci vertiginosamente.
Onde dói?
Dói meu peito que permanece curvado em pranto.
Doem meus ombros que não suportam o peso da saudade.
Doem meus ouvidos secos de palavras carinhosas.
Doem meus pés que não têm para quem caminhar.
Dói meu sexo que não se abriu para o filho.
Doem meus olhos que não encontram senão a casa vazia.
Dói meu couro cabeludo que não recebe os unguentos do cafuné.
Dói tudo, doutor.
Dói simplesmente tudo, porque meu corpo não é só essa carne óbvia em cuja massa dedos afundam procurando um nódulo, uma urticária, uma veia estourada.
Dói tudo porque em tudo a alma se coloca e a alma, doutor, a alma sente sem analgésicos.
É claro que eu sei que vai passar, não sou nenhuma ignorante dos mecanismos da vida para, mesmo sob essa dor doída de alma doente, me jogar de um décimo segundo andar de um prédio. Sei que vai passar. Minha razão sabe que vai passar. Sei também que o único tratamento recomendado ao meu caso é o tempo. Sei que tudo isso, tudo isso me é claro, mas por enquanto, por favor, faça esta caridade: não pergunte onde dói.
Stella Florence - Dói Tudo in Por Que Os Homens Não Cortam As Unhas Dos Pés?
Editora Rocco - Rio de Janeiro, 2000
sexta-feira, maio 22, 2009
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
2 comentários:
Essa dor só poderá ser curada com amor... Abraços.
Acho que sim, Clayton, só um novo amor pode curar um grande amor que já se foi. Não foi o João Gilberto que escreveu isto?
Enviar um comentário