quinta-feira, fevereiro 19, 2009

Woodstock Revisited - Carlos Santana

Carlos Santana
“Foi um pouco assustador ir até lá e mergulhar naquele oceano de cabelos, dentes, olhos e braços. Nunca esquecerei o som da música chocando contra aqueles corpos. Nunca se esquece aquele som.
Para a banda, no seu conjunto, foi óptimo. Mas eu procurava lutar por me manter pegado ao terreno, porque tinha tomado uns produtos psicadélicos bastante fortes antes de entrar em palco. Tínhamos chegado por volta das onze da manhã e disseram-nos que não íamos tocar antes das oito. Por isso pensei “hey, acho que vou tomar uns psicadélicos e quando aquilo começar a baixar deve estar na altura de entrar em palco e vou sentir-me bem”. Mas quando eu estava no alto, por volta das duas da tarde, alguém nos veio dizer “se não entrarem agora, já não entram”.
Andámos por ali durante toda essa noite e fui testemunha do auge do festival, que foi Sly Stone. Acho que ele nunca voltou a tocar assim tão bem – saía literalmente fumo do seu som Afro. Musicalmente, porém, Altamont foi melhor que Woodstock. Lamento que tenha ficado gente magoada, mas tenho de dizer que toda a gente tocou de um modo incrível em Altamont – os Greatfull Dead, os Jefferson Airplane, nós próprios.

Woodstock tinha mais uma vibração espiritual, foi mais uma celebração espiritual. Woodstock significava a reunião conjunta de todas as tribos. Tornou-se evidente que havia muita gente que não queria ir para o Vietname, cujos pontos de vista não coincidiam com os de Nixon nem com nada daquele sistema.
As pessoas que iniciaram o movimento hippie em Haight-Ashbury ensinaram-me a diferença entre negócios e ideais, entre artistas e fraudes. Eles não eram falsos, com aquela gente que usava perucas nos anúncios de velhos êxitos dos anos sessenta. As pessoas a sério eram maravilhosas. Podiam ver-se índios americanos e gente de pele branca apaixonados pela vida. Woodstock era parte disso. Era o mesmo movimento que tirou as pessoas do Vietname e que tirou Nixon do poder.

Houve quem lhe chamasse “área sinistrada”, mas eu não vi ninguém num estado que justificasse essa expressão. Vi muita gente reunida, partilhando tudo e passando um bom bocado. Se isso foi estar fora de controlo, então a América precisa de se descontrolar pelo menos uma vez por semana. Talvez eu seja demasiado ingénuo, mas vejo as coisas assim. Vi imensos estímulos positivos para a América, estímulos artísticos, criativos. Nos anos sessenta as pessoas não iam aos concertos para se embebedarem e engatarem umas miúdas; iam lá para serem bombardeados com música e transportados para outro lado qualquer. Quando saíamos, sabíamos que nunca mais voltaríamos a ser os mesmos. Não se ia a um concerto para evasão. Ia-se a um concerto para expansão.
Muitas das fraudes artísticas na América transformaram a música rock numa espécie de música da corporação Gap-McDonald’s. Ouve-se a mesma treta em todos os centros comerciais. É tudo uma sopa de pacote, em vez de sopa caldosa, percebem? Precisamos de mais Jimi Hendrixs e Jim Morrissons. Precisamos de mais rebeldes e renegados.

Quanto ao filme, não gosto das lentes olho-de-peixe que me tornaram parecido com um escaravelho, mas no fundo estou muito grato. Estou sempre a falar à minha mulher da bênção de possuirmos um monte de recordações e de um vídeo para as suportar. Fundamentalmente, estou muito grato pela oportunidade de ter podido tocar em Woodstock. Podia estar ainda em Tijuana, sem papéis, do outro lado da fronteira.”
(continua)

16 comentários:

Jorge Pinheiro disse...

Uma grande declaração. Um testemhnho vivo extremamente interessante. Os psicadélicos tem este problema: não têm interruptor. Fico apenas com a dúvida se este senhor não terá tb. já entrado na "sopa de pacote"!

roserouge disse...

Mais cedo ou mais tarde, acabam todos por entrar na sopa de pacote. Os dólares falam mais alto e o tempo faz com que os ideais ganhem bolor. Triste é ver pessoas hoje em dia com 50 e 60 anos que lá ficaram nos anos 60/70 e que acham que aqueles tempos é que eram bons e que agora é tudo uma merda. O mundo continua a girar e há que saber acompanhar. Há que evoluir. O flower-power hoje em dia não faria sentido nenhum, mas foi importante naquele tempo e naquele contexto e mexeu com as mentalidades. Tudo no seu lugar e a seu tempo.

Anónimo disse...

No estrada só havia água e, por um preço absurdo. Achei melhor entrar na onda psicodélica, onde se fala de música. Concordo contigo, o bom nesse movimento grandioso é que não parou por aí. Ele abriu caminhos não só para a música. Ele transformou todo um estilo de vida com uma nova ideologia e uma nova concepção de ser, política e social.

Spark disse...

Epa, não consigo gostar do Carlos Santana...

peri s.c. disse...

RR
Sabe o que é bonito nisso aí ?
O cara tocando com o violão amarrado por uma cordinha, o outro assustado por entrar no palco, o que lembra do prato de spaguetti que comeu, o que tem um insight e lembra que podia estar em Tijuana sem documentos.
E uma moçada, a platéia, que foi chegando ninguém sabe de onde, como e porque.
Esses caras aí não cobravam U$$20 milhões para fazer um show,não exigiam 1.500 toalhas brancas perfumadas de jasmim e 180 caixas de champagne francês nos camarins, não viajavam com 350 assessores e a qualidade de suas apresentações não era medida pela largura do palco, por quantas toneladas de equipamentos carregavam ou quais " efeitos especiais" iriam apresentar, na embromação narcisística e mercadológica musical que temos hoje.
E no palco ou na platéia,tentavam resistir, numa rara ação política entre os jovens, à possibilidade de serem obrigados a vestir uma farda e irem morrer no Vietnã.
A arte é maravilhosa quando retrata, analisa e intervém na realidade de seu tempo. Essa é a que deixa marcas. O resto é o resto.

Serena Flor disse...

Olá minha linda, passando pra agradecer o carinho da sua visita e te desejar bom descanso nesta época carnavalesca!
Curta bastante e se não gosta da folia curta bastante a paz e o sossego!
Amanhã estou indo viajar e devo ficar uns dias fora do ar ok?
Quando retornar volto a fazer minhas visitinhas aos amigos!
Um beijão!

José Louro disse...

Missão cumprida. Obrigado.

roserouge disse...

Spark, deixa lá não te rales, ele se calhar também não gosta de ti...LOL!

Serena, boas férias, curte bem!

Peri, os tempos eram outros mas tens razão no que dizes. Tocavam pelo prazer de tocar. Santana só recebeu 15.000 dólares por tocar em Woodstock, imagina. Mas também o preço de cada bilhete para os três dias foi só de 18 dólares. Eu acho que o único luxo que tiveram os músicos foi ficar no Holiday Inn e ir para o festival de helicóptero. Houve músicos que quase morreram electrocutados em palco quando começou a chover. E nos bastidores havia apenas umas tendas para descansarem e se abrigarem da chuva. Faltou a electricidade várias vezes durante algumas actuações, faltou comida e água. E as pessoas dormiam no meio da lama. Mas ninguém arredou pé. Bem, a alucinação também era grande...

Lília Abreu disse...

Roserouge,
Vinha pedir-te que colocasses outros poemas do teu pai, mas li no canto da serena que já o intentas fazer. Que bom!
Li este post só em diagonal (o meu PC está lesma, lesma), cá voltarei. Vi o woodstock em filme uma série de vezes - outros tempos. E, a maioria acaba, mais tarde ou cedo, por "alinhar". Mas isso, é outro momento - da vida deles e da sociedade. Acho que naquele, muitos eram coerentes.
Em 2007, caí (a dar sessões de riso) no n/sudoeste (eu que nunca fui de festivais) e deu para reflectir muito... acho que era a única cota na vila e na praia (estranho lá chegar e cheirar a hax em vez de maresia, rs) e os miúdos ligavam aos pais: mãe faz-me uma transferência ainda hoje; pai podes vir buscar-me na 2º? não tragas o audi, fica mal, traz antes o jeep, muito consumismo, muito alcool, brincadeiras no carrinho da tmn, mas faltava algo... não sei se me explico
Sorrisos meus e noite tranqila, como o meu PC, rs

Jorge Pinheiro disse...

Grande comentário do Peri!

Jorge Pinheiro disse...

... e grande série esta, RR!

peri s.c. disse...

RR
Essa alucinação coletiva é que me encanta . Não acho que havia uma midia por trás "fazendo a cabeça" ( este é um termo que usamos muito por aqui nos anos 70, não sei se tem o meso significado api ) da moçada . Não existia uma MTV dizendo o que era "bom".
Boa essa informação de quanto ganhou o Santana, será que recebeu ?

roserouge disse...

Sei lá, se calhar esqueceu-se! rsrs... Era tudo muito mais genuíno. Lembro-me que quando eu andava no liceu, ainda adolescente, eu e os meus amigos andávamos sempre com LP's debaixo do braço e passávamos a vida a trocar de discos, agora ouves tu, agora oiço eu, era assim que íamos passando informação. No liceu lá em Abrantes, chegámos a ter um clube de rádio, íamos para lá pôr discos durante os intervalos com uns altifalantes para o pátio e a música estava sempre tão alta que nunca ouvíamos o toque de entrada. Até que o reitor proibiu aquilo, chegávamos sempre atrasados às aulas! E foi assim que perdi o rasto a muitos discos mas também fiquei com alguns que não me lembro de quem eram! Ficava aqui toda a noite a contar histórias! Porra, o que eu me divertia!

http://saia-justa-georgia.blogspot.com/ disse...

Bé, adorei ver o Santana por aqui.

Temos muitos cds dele. Nao é muito meu estilo, mas o do esposo.

Respondi ao meme lá na Saia, rs.

Bjus

GUGA ALAYON disse...

Santana é Santana, como Astor Piazzola é Astor Piazzola. E ainda estão por aí. e bem.
Queria, às vezes, ter 10 anos a mais para poder ter 'participado' de certas coisas.
ótima série mesmo

roserouge disse...

Guga, Astor Piazzola já cá não está...e eu não queria nada ter mais 10 anos, porra, queria era ter menos...