Naquele tempo, o Verão era Verão mesmo. Fazia um calor inclemente durante o dia e à noite andava toda a gente a passear, ninguém conseguia estar em casa. Não havia cá ventoínhas nem ares condicionados. Nós, os miúdos, brincávamos na rua até tarde depois de jantar, aos polícias e ladrões, índios e cobóis. Por causa do cabelo liso e comprido, eu era sempre a índia. Morria sempre, claro. Punha uma fita na cabeça, pedia à D. Vitória uma pena das suas galinhas que ela apanhava do chão da capoeira. Era incapaz de arrancar a pena a sangue-frio à bichinha, coitadinha que lhe fazia doer. No dia a seguir, cortava-lhe o pescoço e metia-a na panela, mas arrancar-lhe as penas assim sem mais nem menos, isso é que não. E lá ia eu toda contente com um arco e flecha improvisado tentar roubar as espingardas e pistolas de plástico aos cobóis. Andávamos nós naquela correria e a escondermo-nos atrás das oliveiras, quando comecei a ouvir o meu pai a chamar por mim, com a cabeça fora da janela da sala de estar:
- Ó Bééééééé, anda cá depressa ver isto!
- Ó pai, que foi, tou a brincar!
- Brincas depois, isto é extraordinário, vem ver!
- Brincas depois, isto é extraordinário, vem ver!
Lá em casa, assistíamos sempre ao lançamento das Apolos para o espaço, era emocionante ver o foguetão direitinho por ali acima e a perder partes à medida que ia subindo. Também só havia dois canais de televisão e a RTP transmitia sempre estes eventos em directo do Centro Espacial Kennedy, em Cabo Canaveral, Florida. E lá fui ver o que era, ainda com as penas na cabeça. Chamei os outros miúdos e ficámos ali todos sentados no chão, de boca aberta, alucinados, a olhar para a televisão, ainda a preto e branco, e a ver uns os americanos a passear na Lua. Fartámo-nos de fazer perguntas e o meu pai, cheio de paciência, lá ia explicando que a coisa estava a acontecer naquele preciso momento. E ensinou-nos o nome dos homens e tudo. E que era um momento único na história da Humanidade. E vi Neil Armstrong dar o primeiro passo, depois desceu Buzz Aldrin e espetaram a bandeira. Here men from the planet Earth first set foot upon the moon. We came in peace for all mankind. Quando aquilo acabou, saímos outra vez prá rua, mas a brincadeira já tinha perdido a energia toda. Pareceu-nos uma coisa completamente idiota. Arrumámos as penas e as espingardas e ficámos sentados nos degraus da casa a olhar para a Lua a tentar perceber o que tinha acabado de acontecer. E a tentar ver se conseguíamos distinguir alguma coisa lá em cima. Naquela noite, todos queríamos ser astronautas quando fôssemos grandes.
A 24 de Março de 1969, a NASA fez saber ao mundo qual tinha sido a sua selecção para a tripulação que voaria na Apolo 11 até à Lua. Após quatro meses de intensivo treino e preparação, a nave foi lançada para o espaço a 16 de Julho. A bordo, seguiam o Comandante Neil Alden Armstrong, o Comandante-Piloto do Módulo Lunar Michael Collins e o Piloto do Módulo Lunar Edwin Eugene Aldrin, Jr. Neil Armstrong tornou-se no primeiro homem a caminhar sobre a Lua, a 20 de Julho de 1969.
4 comentários:
Sim senhora, um belo texto.
Eu, desde esse dia, ainda não saí de lá...
Uma história deliciosa. Com penas, mas uma delícia... Realmente, temos sorte em ter vivido nesta época...
Aínda lembro, no dia seguinte, o meu pai a discutir com o meu avô porque não acreditava. Aínda por cima chamava-lhe tolo. Que os americanos eram bons em fitas... aquela era apenas mais uma, rs ´
Pelo que ouvi, aínda hoje há quem seja céptico. Ou ignorante. Recentemente, em relação a mim, descobri ser ignorante em coisas em que achava ser céptica...
esqueci de dizer: o meu avô faleceu sem nunca ter acreditado naquilo...
É mesmo e nós cá vivíamos em ditadura, aconteceu muita coisa por esse mundo fora que não chegava cá porque a censura não deixava. Só deixavam passar certas coisas. Mas tudo o que era programa espacial, passava tudo, era super emocionante.
Enviar um comentário