quarta-feira, maio 19, 2010

Da Inteligência das Mulheres

Cristina de Pisano (em francês Christine de Pizan ou Christine de Pisan, Veneza, 1364 — Poissy, c. 1430) foi uma poetisa e filósofa francesa de origem italiana, conhecida por criticar a misoginia presente no meio literário da época, predominantemente masculino, e defender o papel vital das mulheres na sociedade. Considerada precursora do feminismo. Foi a primeira mulher de letras francesa a viver do seu trabalho.

O seu pai, Tommaso di Benvenuto Pisano, médico e astrólogo, era também conselheiro da República de Veneza. Em 1368, Carlos V, rei de França, nomeou-o astrólogo, alquimista e físico da corte. Cristina foi educada num ambiente favorável aos seus interesses intelectuais - aprendendo várias línguas, lendo os redescobertos clássicos e os inúmeros manuscritos do arquivo real, tudo dentro do espírito humanista do início do Renascimento.
Em 1379, com 15 anos, casa-se com Etiénne du Castel, secretário e notário real. Desta união resultam três filhos: uma menina - que a partir de 1397 passa a viver no mosteiro de Poissy como companheira da filha do rei Carlos VI de França, Marie de Valois -, um rapaz, Jean e um outro rapaz que morreu na infância.
A morte do marido em 1390 deixa Cristina numa delicada situação financeira, devido às dívidas contraídas por ele. Decide, então, dedicar-se às letras, numa tentativa de se sustentar a si e aos filhos. As suas primeiras baladas, compiladas em Le livre de Cent Balladés, chamam a atenção da corte e de alguns ricos mecenas, como João de Berry e o Duque de Orléans.

No entanto, é a disputa com Jean de Meung sobre o seu poema Roman de la Rose (Romance da Rosa) que estabelece o seu estatuto como escritora. O Roman de la Rose era um dos livros mais populares em França e resto da Europa no século XIV; representava as mulheres como nada mais que sedutoras, numa mordaz sátira às convenções do amor cortês. Cristina, nos seus poemas Epistre au dieu d'Amours (Epístola ao Deus e Dit de la Rose, publicados em 1401 e 1402), pôs em causa o mérito literário do poema, criticando os termos vulgares usados para descrever as mulheres, objectando que tal linguagem não era usada por damas nobres e servia apenas para denegrir a função natural e própria da sexualidade feminina. O debate foi extenso e, devido à participação da escritora, centrado na representação e tratamento das mulheres nos textos literários, ao invés de no talento literário de Meung. Estabeleceu a reputação de Christine como intelectual capaz de apoiar a sua causa com argumentos lógicos e bem fundamentados. A sua obstinação e coragem conquistaram a admiração e apoio de alguns dos grandes pensadores da época, como Jean de Gerson e Eustache Deschamps.


De O Livro das Três Vertudes - também conhecido como O Espelho de Cristina - chegaram até nós 21 manuscritos. Em português, há pelo menos três translados e uma edição impressa - talvez mandada traduzir por D. Isabel e publicada em 1518 por ordem de D. Leonor, viúva de D. João II. Este texto formará com o anterior, O Livro da Cidade das Damas, "um conjunto em que, pela primeira vez, está patente uma tomada de posição feminina contra a tradicional imagem da mulher como ser menorizado e desprezado." O Livro das Três Vertudes é dividido em três partes, de acordo com os "estados" sociais: as princesas, as duquesas e grandes senhoras; as senhoras e donzelas que andam na corte, mais as baronesas; e depois as mulheres das vilas e lugares, do povo, dos lavradores. A todas se pede o mesmo - além de amar a Deus - o discernimento, a justiça, a sabedoria. "Na realidade, a inteligência é a nova qualidade que a autora introduz no perfil feminino. É a inteligência que deve comandar a actuação da mulher: a inteligência das intenções, inteligência das relações de forças. A busca do Bem é o fim último que deve presidir, em cada momento, às suas atitudes e, para isso (...) não deve hesitar, se necessário, em usar inteligentemente de manha e dissimulação". Nos seus restantes trabalhos nunca deixou de defender a importância das mulheres e das suas contribuições para a sociedade ou a igualdade dos sexos e a necessidade de dar uma educação igual tanto a rapazes como a raparigas. Tenta ainda mostrar às mulheres como cultivar qualidades que as ajudem a lutar contra a crescente misoginia.
A sua última obra, Ditié de Jeanne d'Arc, foi escrita no mosteiro de Poissy, para onde se retirou no fim da vida. Nela, celebra o aparecimento de uma líder militar feminina, Joana d'Arc, que recompensa todos os esforços das mulheres na defesa do seu sexo.
Desconhece-se a data exacta da sua morte. Ao contrário do que se poderia supôr, esta não ditou o seu esquecimento, mas o interesse pelos seus livros e ideias apenas aumentou.

O Livro das Três Vertudes, a Insinança das Damas - Caminho, 2002

3 comentários:

Anónimo disse...

Impressionante. Então se pensarmos que se passou no século XIV/XV...Estamos sempre a aprender.
Ortega

roserouge disse...

Amigo Ortega, este blog é um manancial de "cóltura"... é um bocado pró "subbacultcha", eu sei... eheheh...
Mas fora de brincadeiras, também achei que a senhora era muito corajosa para além de muito à frente para aquela época. Há mulheres extraordinárias, de facto.

Li Ferreira Nhan disse...

Corajosa e Inteligente!
AMEI!
Ótimo post roserouge,
beijo
li