quarta-feira, março 31, 2010

Entre uma e outra todos os dias são meus

Fernando Pessoa aos dez anos de idade
Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples
Tem só duas datas — a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra todos os dias são meus.
Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as coisas sem sentimento nenhum.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.
Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso, fui o unico poeta da Natureza.

Fernando Pessoa/Alberto Caeiro; Poemas Inconjuntos
Escrito entre 1913-15; Publicado em Atena nº 5, Fevereiro de 1925

2 comentários:

Jorge Pinheiro disse...

Pois... Invade uma tristeza que ao mesmo tempo é alegria.

Li Ferreira Nhan disse...

só agora li...
e os olhos marejam e a respiração torna profunda e calma e escuto meu coração e só ele me faz sentir assim