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terça-feira, dezembro 09, 2008

Gertrude Bell


A lista dos seus feitos é interminável. Foi a primeira mulher que se licenciou em História Moderna em Oxford, especialista no Médio Oriente, agente política durante a Primeira Guerra Mundial, Medalha de Ouro da Sociedade Real de Geografia, condecorada com a Ordem do Império Britânico e ainda publicou sete livros altamente reconhecidos. A tudo isto, ainda podemos acrescentar: aventureira, arqueóloga reconhecida, viajante incansável que percorreu de camelo as zonas mais perigosas do deserto da Arábia, assessora de reis e xeques árabes. Não está nada mal para uma jovem vitoriana da alta burguesia que, sempre vivendo rodeada de homens, partilhou café e cigarros com, entre outros, Churchill, o rei Faisal e Lawrence da Arábia. Chegou a ser uma das mulheres mais poderosas do Império, sendo hoje em dia a Universidade de Newcastle, a detentora oficial de todo o seu arquivo que inclui, fotografias, mapas, diários de viagem, estudos arqueológicos e outros documentos de índole política. Gertrude Bell inventou o país que, hoje, conhecemos como o Iraque. Daí ela ser conhecida como a "rainha não coroada" deste país. A revolta árabe contra os otomanos, incrementada pelos ingleses durante a primeira guerra, foi pensada e delineada na prática por ela (por muito que isso custe a Lawrence da Arábia). Gertrude Bell desenhou as fronteiras do Iraque, tentando dar unidade política à antiga civilização da Mesopotâmia. Foi nomeada directora do museu arqueológico de Bagdad e acabou por morrer na sua "cidade", abandonada por todos. Um dos seus grandes paradoxos é que, apesar de tratar por "tu" todos os principais dirigentes políticos árabes e ocidentais, de ser um dos símbolos da independência feminina nos anos 20, defendia que as mulheres não deveriam ter direito a voto. Provavelmente, não deveria acreditar muito na democracia.

Gertrude Bell nasceu em County Durham, Inglaterra, em 14 de Julho de 1868 e recebeu a educação típica duma jovem da sua classe. Claro que tinha outros planos e não perdeu tempo a procurar marido, preferindo viajar e cultivar-se. Atraída pelo Oriente, elegeu a Pérsia. Tinha 23 anos quando chegou a Teerão e ali descobriu o paraíso das Mil e Uma Noites que a sua mãe lhe lia quando era menina. Aproveitou ao máximo o tempo, dedicando-se a estudar persa, cavalgou pelo deserto, ouviu poetas persas recitar, aprendeu a arte da falcoaria e subiu à Torre do Silêncio, de onde os seguidores de Zoroastro lançavam os seus mortos. No seu regresso, enamorada pelo Oriente, concentrou-se em escrever as suas experiências e em traduzir os belos poemas de Hafiz.

A partir de então, Gertrude apenas se dedicou a viajar e a escrever. Correu boa parte do globo terrestre, aperfeiçou o persa e aprendeu árabe. Quando em 1899 se mudou para Jerusalém, começava uma nova vida longe da asfixiante e aborrecida sociedade vitoriana, onde era apenas uma solteirona excêntrica de 33 anos que não tinha sido capaz de arranjar marido. Desde Jerusalém planeou as suas primeiras explorações do deserto. Viajava a cavalo com um cozinheiro e dois muleteiros pelos caminhos poeirentos rumo a Jericó ou ao Vale do Jordão. Fotografava e tirava medidas a todas as ruínas e palácios persas inacabados que encontrava pelo caminho. Até que chegou a Petra, a antiga capital dos nabateus esculpida em pedra rosa e acampou de noite debaixo das suas colunas coríntias. Escreveu então: “ Quando alguém entra tão a fundo no Oriente, não pode viver longe dele”. No inverno de 1909 prepara a sua última grande viagem, uma nova expedição, desta vez desde a Síria à Mesoptâmia para estudar seriamente as igrejas romanas e bizantinas e fazer moldes de pedra para os seus estudos arqueológicos. Viaja sózinha desde Alepo e pretende chegar ao Iraque através do deserto sírio, percorrer mais tarde uns 650 quilómetros até ao sudeste seguindo o leito do rio Eufrates até Bagdad, ali refazer o seu grupo e empreender a marcha para norte, até à Turquia, ao largo do rio Tigre. Como qualquer explorador, Gertrude prepara conscienciosamente a sua viagem e pesada bagagem: sete animais de carga, uma dezena de cavalos e três muleteiros, dois criados e dois soldados.
Nos seus volumosos baús, junto às tendas de campanha, camas e cadeiras desmontáveis, pistolas e um rifle, viajam tapetes, toalhas de linho, um serviço de chá de porcelana, cristais e talheres de prata, banheira e elegantes vestidos franceses, corpetes, sombrinhas de penas e produtos de toucador. Nunca deixou de ser uma elegante dama britânica que se vestia para trabalhar no deserto de sol a sol com combinações e largas saias com bolsos, meias negras e sapatos de atacadores, para além de um amplo chapéu. Nos alforges carrega livros, mapas, rolos fotográficos, câmaras e prismas. Escreve então: “Voltei a entrar no deserto, como se voltasse ao meu sítio; o silêncio e a solidão envolvem-me como um véu impenetrável; não há mais realidade que as longas horas de cavalgada, pela manhã tiritando e pela tarde dormitando…”
Placa na parede do edifício “Red Barns”, em Coatham, Cleveland, Inglaterra.

Gertrude era já uma respeitada arqueóloga e estudiosa do Oriente quando decidiu atravessar o deserto da Arábia em 1913. Estava pronta para empreender um dos seus maiores desafios, apesar daquela região isolada estar cheia de perigos. Partiu de Damasco como uma autêntica rainha, com uma caravana de vinte camelos, três cameleiros, o seu cozinheiro, o seu velho guia e uma escolta. "Sinto-me como um xeque árabe", comentou irónica com os seus amigos, ao ver-se à frente da sua expedição, sentada no alto de um camelo, com as suas mãos enluvadas e um chicote para conduzir o animal. Sabia que no vasto deserto do Nejd teria de enfrentar temperaturas extremas, sede, falta de víveres, pragas de pulgas, cobras, escorpiões, sem falar nos salteadores, soldados e tribos hostis.

Nos seus últimos anos de vida, instalou-se em Bagdad onde, num dia quente de Julho de 1926, esta mulher forte e poderosa e que sempre tinha ocultado as suas frequentes depressões, acabaria por se suicidar. Durante muito tempo, os beduínos continuaram a recordar esta dama que falava o seu idioma, os recebia elegantemente vestida na sua tenda coberta de tapetes e lhes oferecia uma chávena de chá, isso sim, numa bandeja de prata. Gertrude Bell está sepultada no Cemitério Britânico em Bagdad, Iraque.

terça-feira, novembro 25, 2008

Alexandra David-Néel

"Tenho por princípio não aceitar nunca uma derrota, de qualquer tipo, seja quem for que ma queira infligir".

Alexandra David-Néel tinha 44 anos quando viu pela primeira vez o Tibete depois de um duro inverno no Himalaia. "Que vista inesquecível! Fiquei tocada para sempre". Não foram as suas imponentes paisagens que a animaram a passar boa parte da sua vida nestas remotas terras controladas pelo exército chinês e proibidas aos estrangeiros, mas sim a sabedoria dos seus monges e ascetas. As suas pereginações místicas transformaram-na numa mulher iluminada a quem os lamas baptizaram com o nome "Lâmpada da Sabedoria".

Alexandra David, nasceu a 24 de Outubro de 1868 em Paris, no seio duma família burguesa e sentiu desde menina a paixão pelas viagens enfrentando todos os preconceitos do seu tempo. Em finais do século XIX era desonroso e extravagante uma mulher viajar sózinha. Ela não só fugiu várias vezes de casa (a primeira aos 5 anos e a última aos 17) como se recusou a usar um espartilho como as raparigas da época, escolheu ela mesma o homem com quem queria casar, decidiu não ter filhos e passou a vida a viajar por lugares que, na altura, mal apareciam nos mapas. Atraída pelo budismo tibetano, aprendeu sânscrito e inglês e viajou pela primeira vez até ao Ceilão e à Índia em 1891, graças a uma oportuna herança. Tinha 23 anos e o apelo do Oriente era já muito forte. Por ser uma jovem muito independente, Alexandra emacipa-se financeiramente da sua família, iniciando uma carreira artística de teatro lírico, levando a sério os seus estudos musicais, mantendo correspondência com grandes músicos da época. Esse período de cantora lírica e actriz, levá-la-á em digressão pela Europa, pela Indochina e pelo Norte de África, chegando a dirigir o Casino de Tunes onde, em 1900, conhece Philippe Néel, seu futuro marido e com quem manterá uma relação extraordinária até à morte deste em 1941. Quase em simultâneo com a actividade artística, Alexandra David-Néel empreenderá um vasto trabalho jornalístico, trabalho esse que lhe vai definindo os interesses de ensaísta e de grande viajante. Os longos trajectos que empreende pela Ásia a partir de 1911 serão com frequência grandes provações e, confessará a Philippe que "poucas pessoas nascidas na Europa poderiam suportar a vida que eu levo; são o meu temperamento místico e os meus desígnios filosóficos que me permitem viver assim".

Em 1925, Alexandra é a primeira mulher a chegar à cidade santa de Lhasa, no Tibete, de cuja filosofia se tornou um dos mais profundos conhecedores ocidentais. Durante mais de 30 anos viveu na Ásia, viajando sempre de mula, iaque, cavalo e até a pé. No regresso a França é recebida como uma heroína e concedem-lhe uma chuva de medalhas e reconhecimentos, entre eles a Legião de Honra. Cansada de vaguear pelo mundo instala-se em Digne, perto de Nice, com o seu filho adoptivo, o lama Afur Yongden, onde continua os seus estudos e traduções de textos tibetanos, permanecendo, até ao final dos seus dias perfeitamente lúcida, escrevendo também artigos e preparando a sua biografia. Aos 100 anos, renovou o passaporte "para uma eventualidade". E, quando em Maio de 68 seguiu pela rádio os acontecimentos de Paris, reage como era natural que reagisse: com o júbilo combativo da sua juventude. A intrépida caminhante, exploradora, anarquista, espiritualista, budista e escritora, publicou mais de 30 livros sobre religião, filosofia e viagens. Os seus ensinamentos influenciaram os chamados escritores da beat generation Jack Kerouac e Allen Ginsberg e o filósofo Alan Watts. Alexandra David-Néel morreu a 8 de Setembro de 1969 na sua casa de Digne, que ela baptizara de "Samten Dzong" (Fortaleza da Meditação, em tibetano). Ia fazer 101 anos.