quarta-feira, julho 07, 2010

C'est Comme Ça...

Estive a rever o embate televisivo, em 1980, entre Catherine Ringer e Serge Gainsbourg. A primeira coisa que ali vemos é Ringer, cantora do duo Les Rita Mitsouko e moderna a cheirar a novo, sentada ao lado de um moderno consolidado, o volúvel Gainsbourg. Não tarda a verificar-se o previsível choque, talvez geracional. Ringer, empenhada em épater o moderno consolidado, contou que tinha participado em filmes porno e foi interrompida por um depreciativo Gainsbourg, que lhe disse que isso era simplesmente fazer de puta e não podia causar mais vómitos. A conversa enrolou-se durante um bom bocado, porque Ringer (genial artista que me revelou Sergi Pàmies, o Inverno passado) recusou-se a aceitar que ser actriz porno fosse repugnante e ela, uma puta. Gainsbourg insistiu que ser puta era nauseabundo. Ringer disse então que quem era asqueroso era precisamente ele, mas acabou por aceitar, com um meio-sorriso, que o seu passado era repugnante. "Em todo o caso - desculpou-se Ringer - o meu trabalho faz parte da aventura moderna". E então o caldo entornou-se de vez, e o momento acabou por se tornar memorável.
- Ah, não! - disse um exaltado Gainsbourg - A aventura moderna não é repugnante. Nós temos ética.
Se Rimbaud, no séc. XIX, semeou a essência do ser moderno em França, Gainsbourg, na mesma França, apontou o fim do "vale tudo", marcou os limites morais da vanguarda e deu o primeiro pontapé na modernidade sem ética. Um momento histórico.

Fonte: Diário Volúvel - Enrique Vila-Matas, 2008
Teorema - Fevereiro, 2010

5 comentários:

Jorge Pinheiro disse...

Pois, não sei, talvez. Mas parece tudo um pouco, sei lá,qualquer coisa... Retorndao de férias e sem inspiração, mando um beijo:)

roserouge disse...

Porra, até qu'enfim apareceu alguém a dizer qualquer coisa! Mesmo uma coisita amarelenta como essa... depois venham cá reclamar que eu desapareci do blog, ah e tal quéquet'aconteceu, se querem ver logo a resposta!!!...

Artur disse...

o feedback faz falta, pois é ;-)

roserouge disse...

Pois é, Artur. Fazer um post e ninguém dizer nada é quase tão mau como uma casa de espectáculos vazia. Com as devidas diferenças, of course...

Jorge Pinheiro disse...

E DISSE!