sábado, julho 31, 2010

Crisis? What Crisis?

Todos conhecemos a história daquele viajante que viu, em Nápoles, doze mendigos estendidos ao sol e ofereceu uma libra ao mais preguiçoso de todos. Onze mendigos levantaram-se num salto para a exigir, de maneira que o viajante deu-a ao que nem sequer se mexeu.

Bertrand Russell in "O Elogio ao Ócio"

Contraluz


António Feio
1954-2010

sexta-feira, julho 30, 2010

Eu Não Sou Marxista

"A história da sociedade até aos nossos dias é a história da luta de classes."
Karl Marx

quarta-feira, julho 28, 2010

A Morte Por Um Fio

Pode a literatura pôr fim a uma vida de crime? Nos Estados Unidos da América, vingou um programa que se chama Mudando Vidas Através da Literatura: em vez de mandar o réu para a prisão, a juiz manda-o ler e discutir boa literatura - Em Portugal, não há nada parecido.

Robert Waxler, professor de Inglês na Universidade de Massachusetts, nos Estados Unidos, acabara de jogar uma partida de ténis com Bob Kane, juiz do tribunal distrital de New Bedford. Sentaram-se, ainda a transpirar, para conversar um pouco. O magistrado queixou-se da Justiça, que já lhe parecia uma espécie de torniquete do sistema prisional: prendia e libertava e tornava a prender. O amigo, dono de uma fé inabalável no poder da literatura, viu ali uma oportunidade: "Vamos fazer uma experiência. Vais pegar em oito homens que te apareçam pela frente nas próximas semanas e, em vez de os mandares para a cadeia, manda-los a um seminário de literatura na universidade. Eu arranjo a sala, escolho os livros e oriento as discussões." O académico recordou aquele episódio numa entrevista que deu à Mass Humanities. Fê-lo enfatizando a coragem do juiz por admitir que ler e discutir boa literatura podiam ser uma alternativa à prisão - sem qualquer evidência científica ainda. Pediu-lhe para escolher "rapazes duros". E ele, com a ajuda do técnico de reinserção social Wayne St. Pierre, escolheu oito homens, no mínimo com o 8.º ano de escolaridade, que somavam 145 condenações.
Esta é a génese do programa Mudando Vidas através da Literatura, que arrancou em 1991 em Massachusetts e funciona agora em diversos estados norte-americanos - incluindo o Texas, senhor de uma das maiores taxas de encarceramento do planeta e um dos que mais aplicam a pena de morte. Em quase 20 anos, milhares de condenados leram e debateram obras como O Velho e o Mar, de Ernest Hemingway. "As histórias funcionam como um espelho", explicou Robert Waxler ao jornal New York Times. Ao lê-las, uma pessoa pode perceber quem é e o que quer ser. Não só os condenados, também os técnicos de reinserção social e os juízes que participam nas sessões. (...)


(...) Podia um programa destes funcionar em Portugal?

Ana Cristina Pereira - Jornal Público
Por ser um artigo muito longo, não copiei tudo. Mas vale a pena lê-lo na totalidade
aqui.

segunda-feira, julho 26, 2010

Warhol TV

Entre 1979 e 1987, Andy Warhol (1928-1987) produziu e realizou verdadeiras emissões de televisão. Essa parte da sua obra - até hoje bastante desconhecida - é o reflexo das obsessões do artista: beleza, celebridade, fascínio por outros artistas, músicos ou estilistas. Um mergulho na Nova Iorque dos anos de 1980 e uma nova reality television.

Exposição produzida em cooperação com o The Andy Warhol Museum.
Um dos Carnegie Museums of Pittsburgh.
Com o apoio da Maison Rouge, Paris.
Integrada no FUSO. Festival Anual Internacional de Vídeo Arte de Lisboa.
Curadoria: Judith Benhamou-Huet.
Até 14 de Novembro de 2010.

Summer Night


Não sei onde é que vou arranjar dinheiro para isto tudo, vou mesmo ter que ir roubar este mês... mas John Surman e Jack DeJohnette já ninguém me tira. Devia de haver um subsídio cultural, ou coisa que o valha, não acham?! Seria uma boa medida para incentivar o acesso à cultura, criar um plafond mensal ou assim. Por exemplo: vou ver dois ou três concertos ou peças de teatro por mês ou até mesmo outro evento qualquer e depois apresentava a conta ao Ministério da Cultura ou outra entidade do género cheia de assessores e assessores de assessores e secretárias de assessores e eles diziam - oh, que linda menina, que amiga que ela é de bons espectáculos, assim é que é, toma lá de volta o dinheiro dos bilhetes e vai comprar mais!... Whaaat?! Estou a dizer disparates? Estou a sonhar? A delirar? Estão 40º lá fora, estão à espera do quê?! Mas não era bom que assim fosse? Era, não era?!?!
(...I simply remember my favorite things, and then I don't feeeeeel sooo baaaaaad.)

quinta-feira, julho 22, 2010

Arlequim

No seu atelier - 5 rue Schoelcher, 25 Julho 1916

Se apenas houvesse uma única verdade,
não poderiam pintar-se cem telas sobre o mesmo tema.
Pablo Picasso

sábado, julho 17, 2010

Perfect Day



No Verão de 2005, Vincent Moon fez este filme com uma super8 em França, a pedido dos The National para o single Lit Up do excelente álbum Alligator - "algures entre a música rock e a natureza ou como nós, os humanos, somos pura emoção, pulando da água para o palco, libertando o que nos vai na alma" - Vincent Moon.


E então a coisa vai ser assim: levantar bem cedinho amanhã de manhã. Encontro com alguns amiguinhos em Lisboa, em local a combinar. Atravessar a ponte, rumo ao Meco. Encontro com outros amiguinhos que já lá estão desde ontem. Ouvir as novidades e impressões deixadas pelos concertos das noites anteriores. Rir muito e dizer repetidamente "ya ya que fixe". Alagartar com o que resta da carcaça nas areias da praia. Dar umas cacholadas nas ondas, para refrescar as idéias e soltar o ranho que se vai acumulando ao longo da semana. Dizer disparates. Rir muito. Fazer xixi no mar, a única maneira de aquecer a água durante breves instantes. Comer uma ou duas pistoletes (sandochas) de atum com tomate. Beber água. Falar sobre as últimas coisas que se andam a ler e outras tipo "o quéquetensfeito?". Comer pêssegos, ameixas e melão partido aos quadradinhos numa tuperuére. Beber mais água. Começar a arrumar a tralha e recolher o lixo para vir embora. Sacudir a areia dos pézinhos e limpar bem aquela que o vento foi colocando nas orelhas e nas pregas das partes pudibundas. Vestir a mesma roupa. Constatar que não vale a pena tomar duche, vai mesmo assim, o cabelo todo desgrenhado e a pele a saber a sal. Rir muito, dizer mais coisas sem sentido nenhum e beber mais água. Chegada ao recinto do festival e começar a comer pó. Ir à procura do bar mais próximo. Deambular por ali, de copo de plástico na mão e a saltitar de palco em palco para conseguir ver o mais possível para depois ter assunto de conversa com os amigos. Bater palminhas segurando o copo com os dentes, assobiar e continuar a rir muito. Dar beijinhos aos The National e abracinhos aos Spoon. Beber mais umas jolas para limpar a garganta daquela poeirada toda. Gemer. Gemer muito e pensar "qu'esta merda nunca mais acaba, já não sinto os pés". Ai. Bater mais palminhas, clap clap clap, dar muitos pulinhos e gritinhos quando Prince pisar o palco. Já cá veio duas vezes e eu nunca vi. Devia de andar distraída com outras coisas. Jiboiar um bocado por ali no chão ou assim, irreconhecíveis com tanta terra em cima, podres de cansaço, ah ganda concerto e tal, mas muito contentinhos também. Suspiros e mais gemidos de dor, todos juntos. Aaaai... Regressar a Lisboa não sei a que horas, não sei se no domingo ou segunda, logo se vê. Oh it's such a perfect day, I'm glad I spent it with you... (Lou Reed).

sexta-feira, julho 16, 2010

Uma Família Às Direitas...

A família Kerouac num bar, em 1944.
Da esquerda para a direita: Jack, Caroline (“Nin”) a irmã, Gabrielle, a mãe e Leo Kerouac, o pai.
New York Public Library, Berg Collection, Jack Kerouac Archive.
Image courtesy of John G. Sampas.

quinta-feira, julho 15, 2010

A Vuvuzela...

Só falta mesmo aqui o exemplo do uso que o Maradona vai dar à execrável vuvuzela. Mas se pensarem um bocadinho, não é difícil... Terá ele nariz para aquilo tudo?! Fooooonc, foooonc, snif, snif, fooooooooooonc... eeeisssch... coooñooo...

A Partida

Foto - Dennis Hopper

Ordenei que trouxessem o meu cavalo dos estábulos. O criado não compreendeu as minhas ordens. Por isso fui eu próprio até aos estábulos, selei o meu cavalo e montei. Escutei, à distância, o som de um trompete e perguntei ao criado o que significava. Ele não sabia nada, nada ouvira. Frente ao portão, deteve-me e perguntou:
- Onde vai o meu amo?
- Não sei - respondi. Daqui para fora, vou-me embora, apenas. Daqui para fora, é só, só assim conseguirei atingir o meu objectivo.
- Então vossa senhoria sabe qual é o seu objectivo? - perguntou ele.
- Sim - retorqui. Já te disse: daqui para fora. É esse o meu objectivo.

Franz Kafka
- A Partida (Contos)

quarta-feira, julho 14, 2010

segunda-feira, julho 12, 2010

Poema Enjoadinho

Minha filha Cristiana, 9 anos (1995) - Consolação, Peniche

Filhos... Filhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não os temos
Como sabê-lo?
Se não os temos
Que de consulta
Quanto silêncio
Como os queremos!
Banho de mar
Diz que é um porrete...
Cônjuge voa
Transpõe o espaço
Engole água
Fica salgada
Se iodifica
Depois, que boa
Que morenaço
Que a esposa fica!
Resultado: filho.
E então começa
A aporrinhação:
Cocô está branco
Cocô está preto
Bebe amoníaco
Comeu botão.
Filhos? Filhos
Melhor não tê-los
Noites de insônia
Cãs prematuras
Prantos convulsos
Meu Deus, salvai-o!
Filhos são o demo
Melhor não tê-los...
Mas se não os temos
Como sabê-los?
Como saber
Que macieza
Nos seus cabelos
Que cheiro morno
Na sua carne
Que gosto doce
Na sua boca!
Chupam gilete
Bebem shampoo
Ateiam fogo
No quarteirão
Porém, que coisa
Que coisa louca
Que coisa linda
Que os filhos são!


Poema Enjoadinho - Vinicius de Moraes

O texto acima foi extraído do livro "Antologia Poética", Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1960.

O Ovo

A minha filha chegou há pouco a casa e disse:
- Mãe, estou cheia de fome! O que é o jantar?
- Ainda não sei, talvez uns bifinhos de peru grelhados com uma saladinha... Apetece-te?
- Nem por isso, o que me apetecia mesmo era arroz branco empapado em manteiga com ovinhos mexidos. Ó mãezinha querida, vá lá...
E como mãe é mãe e filhos é aquela gente que sai cá de dentro... sai uma dose de ovo mexido com arroz branco para a mesa do canto!!!... Ainda por cima é fácil e barato...


Ovo. Agora essa. Descobriram que ovo, afinal, não faz mal. Durante anos, nos aterrorizaram. Ovos eram bombas de colesterol. Não eram apenas desaconselháveis, eram mortais. Você podia calcular em dias o tempo de vida perdido cada vez que comia uma gema. Cardíacos deviam desviar o olhar se um ovo fosse servido num prato vizinho: ver ovo fazia mal. E agora estão dizendo que foi tudo um engano, o ovo é inofensivo. O ovo é incapaz de matar uma mosca. A próxima notícia será que bacon lima as artérias. Sei não, mas me devem algum tipo de indenização. Não se renuncia a pouca coisa quando se renuncia ao ovo frito. Dizem que a única coisa melhor do que ovo frito é sexo. A comparação é difícil. Não existe nada no sexo comparável a uma gema deixada intacta em cima do arroz depois que a clara foi comida, esperando o momento de prazer supremo quando o garfo romperá, sim, se desmanchará, e o líquido quente e viscoso correrá e se espalhará pelo arroz como as gazelas douradas entre os lírios de Gileade nos cantares de Salomão, sim, e você levará o arroz à boca e o saboreará até o último grão molhado, sim, e depois ainda limpará o prato com pão. Ou existe e eu é que tenho andado na turma errada. O fato é que quero ser ressarcido de todos os ovos fritos que não comi nestes anos de medo inútil. E os ovos mexidos, e os ovos quentes, e as omeletes babadas, e os toucinhos do céu, e, meu Deus, os fios de ovos. Os fios de ovos que não comi para não morrer dariam várias voltas no globo. Quem os trará de volta? E pensar que cheguei a experimentar ovo artificial, uma pálida paródia de ovo que, esta sim, deve ter me roubado algumas horas de vida a cada garfada infeliz. Ovo frito na manteiga! O rendado marrom das bordas tostadas da clara, o amarelo provençal da gema… Eu sei, eu sei. Manteiga ainda não foi liberada. Mas é só uma questão de tempo.

Luís Fernando Veríssimo

quarta-feira, julho 07, 2010

C'est Comme Ça...

Estive a rever o embate televisivo, em 1980, entre Catherine Ringer e Serge Gainsbourg. A primeira coisa que ali vemos é Ringer, cantora do duo Les Rita Mitsouko e moderna a cheirar a novo, sentada ao lado de um moderno consolidado, o volúvel Gainsbourg. Não tarda a verificar-se o previsível choque, talvez geracional. Ringer, empenhada em épater o moderno consolidado, contou que tinha participado em filmes porno e foi interrompida por um depreciativo Gainsbourg, que lhe disse que isso era simplesmente fazer de puta e não podia causar mais vómitos. A conversa enrolou-se durante um bom bocado, porque Ringer (genial artista que me revelou Sergi Pàmies, o Inverno passado) recusou-se a aceitar que ser actriz porno fosse repugnante e ela, uma puta. Gainsbourg insistiu que ser puta era nauseabundo. Ringer disse então que quem era asqueroso era precisamente ele, mas acabou por aceitar, com um meio-sorriso, que o seu passado era repugnante. "Em todo o caso - desculpou-se Ringer - o meu trabalho faz parte da aventura moderna". E então o caldo entornou-se de vez, e o momento acabou por se tornar memorável.
- Ah, não! - disse um exaltado Gainsbourg - A aventura moderna não é repugnante. Nós temos ética.
Se Rimbaud, no séc. XIX, semeou a essência do ser moderno em França, Gainsbourg, na mesma França, apontou o fim do "vale tudo", marcou os limites morais da vanguarda e deu o primeiro pontapé na modernidade sem ética. Um momento histórico.

Fonte: Diário Volúvel - Enrique Vila-Matas, 2008
Teorema - Fevereiro, 2010

sábado, julho 03, 2010

A Cor Do Horto Gráfico

Dada a importância do texto e a ajuda de alguns elementos provenientes do Brasil e PALOP (países africanos de língua oficial portuguesa), assim como do professor Carlos Reis e da escritora Lídia Jorge, aqui ficam as principais actualizações, perdão, digo "atualizações" ao novo acordo ortográfico. Sugiro que se sentem (de sentar, não de sentir) di frentchi pára o monitô do computadô e répitam em voisss auta asss novasss entradasss dji preferêeeencia com sôtaqui du Brasiu, né?!.

Última atualização do dicionário de língua portuguesa - novas entradas:


Testículo
: Texto pequenino

Abismado: Sujeito que caiu de um abismo
Pressupor: Colocar preço em alguma coisa
Biscoito: Fazer sexo duas vezes
Coitado: Pessoa vítima de coito
Padrão: Padre muito alto
Estouro: Boi que sofreu operação de mudança de sexo
Democracia: Sistema de governo do inferno
Barracão: Proíbe a entrada de caninos
Homossexual: Sabão em pó para lavar as partes íntimas
Ministério: Aparelho de som de dimensões muito reduzidas
Detergente: Acto de prender seres humanos
Eficiência: Estudo das propriedades da letra F
Conversão: Conversa prolongada
Halogéneo: Forma de cumprimentar pessoas muito inteligentes
Expedidor: Mendigo que mudou de classe social
Luz solar: Sapato que emite luz por baixo
Cleptomaníaco: Mania por Eric Clapton
Tripulante: Especialista em salto triplo
Contribuir: Ir para algum lugar com vários índios
Aspirado: Carta de baralho completamente maluca
Assaltante: Um 'A' que salta
Determine: Prender a namorada do Mickey Mouse
Ortográfico: Horta feita com letras
Destilado: Do lado contrário a esse
Pornográfico: O mesmo que colocar no desenho
Coordenada: Que não tem cor
Presidiário: Aquele que é preso diariamente
Ratificar: Tornar-se um rato
Violentamente: Viu com lentidão

Este texto foi-me enviado por email pelo meu querido paizinho, que está a convalescer duma pequena operação a uma hérnia na virilha direita. Foi a quarta ou quinta intervenção a hérnias que ele fez. Umas vezes do lado direito, outras do lado esquerdo. Enfim, consequências tardias para quem passou muitos anos a atirar-se de aviões cá pra baixo. Manias...