Mostrar mensagens com a etiqueta Livros/CCBranco. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Livros/CCBranco. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, abril 06, 2009

Pulp Fiction 2

(continuação da novela Maria! Não Me Mates Que Sou Tua Mãe!) Em Lisboa, na Travessa das Freiras nº 17 havia um homem chamado Agostinho José casado com Matilde de Rosário da Luz. Tinham duas filhas, uma das quais se chamava Maria José. Farto de trabalhar para sustentar com o suor do seu rosto a honra da sua família, Agostinho José morreu e deixou entregue à sua virtuosa mulher as suas duas filhas, dizendo-lhe:
- Matilde, quando não puderes trabalhar com tuas filhas, vai pedir uma esmola para lhes dares um bocado de pão, mas não as deixes cair na desgraça de mundanas, porque eu não me poderei salvar se minhas filhas desonrarem minhas cinzas.
O pobre velho morreu abraçado à sua querida mulher e amados filhos e pode dizer-se que os levou atravessados na garganta para a sepultura.
A desgraçada viúva pôs uma de suas filhas a servir em casa de honrados amos e ficou com a outra em casa para a ajudar a viver.
Metia compaixão ver aquela mãe, tão contente com a sua filha, depois de terem ambas repartido entre si os poucos lucros do seu trabalho, aplicados por um bocado de pão e uma sardinha, ver como aquela ensinava à filha as orações que já sua mãe lhe havia ensinado, o modo de pedir a Deus um meio de passar a vida com honra e sem vergonhas do mundo! Maria José (era este o nome da filha) parecia que amava sua mãe com toda a sua alma e coração.
Andava de dia vendendo algumas coisas numa tendinha que tinha comprado com as economias de sua mãe e de noite rezava o terço à Virgem Maria e ao mesmo tempo compunha meias para fora com cujo produto se vestia. Toda a vizinhança olhava para esta rapariga com admiração porque já tinha 29 anos e ainda não havia nota ruim que se lhe pusesse e ninguém se atrevia a pôr nela a boca.
Uma vez andando Maria José vendendo com sua tenda, chegou-se ao pé dela um rapaz de boas maneiras e começou a conversar com ela sem lhe dizer coisa que tivesse maldade. A rapariga escutou-lhe as palavras e ficou entendendo que o José Maria (era o nome dele) não era mau rapaz e que a não buscava para maus fins.
Continuou a conversar com ele até que ele lhe chegou a dizer que se fosse da vontade dela, que se lhe não dava de casar com ela.
Maria José não desgostou de ouvir o que lhe disse o seu conversado e respondeu-lhe que quem governava nela era a sua mãe e que se ele não estava a mangar que fosse falar com ela e talvez lhe desse o sim, porque sua mãe não a queria para freira.
O José Maria foi falar com a viúva Matilde e esta boa mulher lhe disse que se ele fazia pela vida e era amigo do trabalho, que ela não se lhe dava que sua filha casasse e quanto mais que isso eram coisas que estavam à vontade de sua filha, e não a sua, porque não era ela que casava.
Ao que o rapaz repondeu que já tinha o consentimento de sua filha e que então ia mandar ler os banhos.
José Maria continuou a ir a casa da esposada, enganando-a que se estavam a ler os banhos.
A rapariga afez-se a ter paixão por ele, porque o via a todas as horas e esperava que o traidor lhe não mordesse a palavra. A mãe, que tinha mais anos e mais experiência do mundo, agourava mal daqueles amores, porque os banhos nunca mais se acabavam de ler e o José Maria tinha já uma confiança em sua casa como se fosse marido de sua filha. Quando aquela boa mãe repreendia com boas maneiras a muita franqueza da filha, esta toda se arrufava e virava costas à mãe, resmungando palavras desobedientes. Filhas ingratas! Mal sabeis vós que torcer os olhos de mau modo para uma mãe é o mesmo que cuspir nas tábuas da lei de Deus!
O enganador José Maria, com o demónio no coração, a impostura na boca, foi pouco a pouco amolecendo a fraca resistência que Maria José fazia ao seu brutal apetite. A pobre rapariga se tivesse ouvido os conselhos de sua mãe não cairia na desgraça de se deixar enganar como de facto deixou pelo seu pérfido homem que para outra coisa não ia àquela casa, senão para fazer o jogo da confiança que lhe fora dada.
A infeliz mãe pressentiu a desonra de sua filha e já não lhe podia valer. Assim mesmo um dia com as lágrimas nos olhos lhe disse estas palavras:
- Minha filha! Eu muitas vezes te disse o que eram os homens, não que eu tivesse queixa do meu, porque teu pai era honrado e virtuoso como aqueles que o são; mas porque os rapazes de hoje não são o que eram os dalgum dia. Disse-to muitas vezes e tu ou me respondias com arremesso e enfado ou me viravas as costas em ar de desprezo. Não te pude valer. Deus Nosso Senhor me perdoe - se eu não tive forças para te castigar, porque eu tinha-te muito amor, e nunca me capacitei deveras que houvesse um tredo tão grande como o José Maria. Mas já agora que não tem remédio, minha filha, filha do meu coração, em bom pano cai uma nódoa. Minha filha, por alma de teu pai que está na presença de Deus a pedir teu perdão, pelas cinco chagas te peço que deixes esse homem, que há-de acabar de te lançar na perdição, onde não acharás meios de te salvar da justiça de Deus e das vergonhas do mundo.
(continua)

sexta-feira, abril 03, 2009

Pulp Fiction

Maria! Não Me Mates Que Sou Tua Mãe! narra um crime bárbaro ocorrido em Lisboa, em Setembro de 1848. Trata-se de uma filha que mata a própria mãe, apenas para a roubar. Camilo edita o folheto em dezasseis páginas, em regime de anonimato. Considera-se esta narrativa no âmbito da literatura de cordel, recorrendo ao sensacionalismo. Obteve grande êxito junto das camadas populares, sendo um dos primeiros textos de Camilo a pertencer a este género literário. Meditação sobre o espantoso crime acontecido em Lisboa: uma filha que mata e despedaça sua mãe. Mandada imprimir por um mendigo, que foi lançado fora do seu convento e anda pedindo esmola pelas portas. Oferecida aos pais de famílias, e àqueles que acreditam em Deus!

PAIS DE FAMÍLIAS!
Atendei e vereis o maior de quantos crimes se tem visto no mundo! Vereis uma filha matar sua mãe, porque esta não lhe deixava fazer tudo quanto desejava.
Vereis como essa filha corta a cabeça de sua mãe, e os braços, e as pernas, e vai pôr cada pedaço de corpo de sua mãe em diferentes lugares, para que ninguém conhecesse o cadáver da morta, nem a mão que a matara e despedaçara. Vereis como a matadora de sua mãe, de sua mãe ó pais de famílias, de sua mãe, que a trouxera nas entranhas, que lhe dera o alimento dos seus peitos, que a criara ao seu lado com beijos e afagos, que tirara o pão de sua boca para o dar à sua filha, que fora talvez pedir uma esmola para que a sua filha não tivesse fome e não desse seu corpo em troca de um bocado de pão! Vereis como esta filha sem alma, sem medo de Deus, sem temor das penas do inferno, é descoberta como matadora de sua mãe, por um milagre, pela providência de Deus! Vereis aquela mulher com alma de tigre comer com toda a vontade e contentamento, ao pé da cabeça ensanguentada de sua mãe e responder quando lhe perguntaram se é aquela a cabeça de sua mãe.
- Sim! - disse ela - essa é a cabeça de minha mãe!
E continuou a comer.
Pais de famílias! Eu vou contar-vos o mais triste e espantoso acontecimento que viu o mundo, e que talvez não torne a ver. Chamai os vossos filhos para junto de vós. Lede-lhe esta história e fazei que eles a decorem, que a tragam consigo e que a repitam uns aos outros.
Pais de famílias! O que escreveu estas linhas com o seu pouco saber talvez vos terá ido à porta mendigar as migalhas da vossa mesa.
Deus Nosso Senhor Jesus Cristo permita que eu possa levar a compaixão ao coração dos que me lerem, que eu desgraçado pecador fico pedindo a Deus pela alma daquelas infelizes mãe e filha.
Maria! Não me mates que sou tua mãe! - Camilo Castelo Branco
(continua)