sábado, março 14, 2009

Mónica e o Desejo

Mónica tem 17 anos e trabalha numa pequena cidade. Harry tem 19 anos e trabalha na mesma cidade. Um dia conhecem-se e apaixonam-se, ou pensam que se apaixonam, e partem juntos. Mónica discutiu com o pai e saiu de casa. Harry discutiu com o patrão e saiu do emprego. Nada os prende à cidade, ou pensam que nada os prende à cidade e a fuga parece o único gesto lógico. Um barco basta para se isolarem durante semanas numa ilha. Esse Verão na ilha, os dias e as noites e os beijos e a nudez dos corpos e todo o desejo são o sonho. Sabe-se que alguns sonhos terminam e em Mónica sabe-se que o olhar apaixonado e rebelde foi mudando. Esta história é a história do olhar de Mónica. Do desejo de Mónica. De como nos seus olhos permaneceu a inquietude enquanto se alteravam as ilusões. Mas o título mente e no olhar de Mónica, não se enganem, houve mais do que um desejo.

Nesta história, como em todas, não existem amores intactos. Alguns, contudo, estilhaçam-se mais do que outros. Começou tudo pela felicidade daquele Verão. Depois vêm as dúvidas. As de Mónica e as nossas. No filme, as imagens e as palavras fazem-nos muitas perguntas mas não nos dão qualquer resposta e não se poderia nunca esperar mais do que isso de Ingmar Bergman. O filme que tanto impressionou os protagonistas da Nouvelle Vague é tão transparente como vago. A maioria das perguntas, sem surpresa, estão no olhar de Mónica. No desejo de Mónica.

Mónica e o Desejo foi filmado na ilha de Ornö, Suécia, durante o Verão de 1952. Mostra este casal de adolescentes que vive toda a intensidade do desejo e do sexo. A chegada de um filho marca a passagem à idade adulta. Os compromissos que o filho e a família acarretam encerra uma fase. Nada será como naquele arquipélago em que Mónica se dá ao amante. Desfrutando do seu amor durante uma estação, regressam ao continente onde os esperam o princípio da realidade e o fardo do quotidiano: tendo sido mãe, Mónica foge de um lar demasiado medíocre para ela e de um marido que ela despreza por isso mesmo, deixando-lhe o filho deles. Bergman dizia que era um dos seus filmes mais simples (o mais?). Ele simplesmente foi para a local com os actores. Tinha uma idéia na cabeça, algumas páginas de roteiro. Mónica e o Desejo foi feito com liberdade, como o próprio sexo e o desejo da dupla de protagonistas.

Mónica e o Desejo é imperdível, nem que seja para ver esses minutos extraordinários em que Harriet Andersson, antes de ir para a cama com um tipo que tinha deixado, olha fixamente para a câmara, com os olhos risonhos embaciados pela confusão, elegendo o espectador como testemunha do desprezo que ela sente por si própria ao escolher involuntariamente o inferno em vez do céu. É um dos planos mais tristes da história do cinema. - (Jean-Luc Godard)
"Mónica, quero o meu Verão de volta.
Para onde foi o desejo, para onde fui eu?" - (Harry)


“Apenas Bergman sabe filmar os homens tal como os amam e detestam as mulheres e as mulheres tal como as amam e as detestam os homens”.
Jean-Luc Godard – “Bergmanorama”, Cahiers du Cinéma – Julho 1958.

27 comentários:

  1. Bé, grande lembrança! Grandes DESEJOS! Nesse tempo eu ia muito ao cinema, e claro que assisti!
    Obrigado por nos relembrar estes DESEJOS imortais do cinema!
    Obrigado por participar sempre de forma oportuna e criativa da Tertúlia!

    Bjs

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  2. O desejo desenfreado da juventude, às vezes se paga um preço ao saciá-lo...mas o que seria da vida se os desejos forem sempre refreados?
    Bergman sabia transmitir as sutilidades das emoções humanas como ninguém.
    Linda postagem, parabéns!
    Beijos e um bom domingo para você.

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  3. Foi bom lembrar desse filme.Muito legal! Um beijo, parabéns pelo blog e ótimo domingo,chica

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  4. Esse desejo de Mónica continuou eterno até hoje...e continuará... muito bom recordar nas suas palavras esse belo momento cenéfilo que nos transporta para o seu interior.
    Abraço
    Carla

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  5. Putz, esse não assisti, mas se é Bergman, é bom. Bela postagem

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  6. Acho que também quero meu verão de volta....

    Adorei!
    beijo
    Pat

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  7. Todos queremos o Verão de volta. Todos desejamos novo Verão. Um desejo não de Mónica mas da juventude perdida. Com a distância aplana-se o que foi mau na nossa adolescência e fica só a saudade impossível desses tempos dourados em que ainda tínhamos sensações. Agora uma percepção de vez em quando e já vamos com sorte. Gostei do filme, como quase tudo o que Bergman fez. Bem lembrado e óptima postagem Bé. Beijos.

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  8. Não tinha conhecimento desse filme, fiquei curiosa, muito bem dispostas as cenas, o texto, gostei muito do Desejo aqui.

    Bjs e ótimo domingo

    Chris

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  9. Bé que beleza de lembrança...este filme me marcou muito em uma época onde o fim ou mudança do desejo era uma realidade longinqua ...épocas de desejos avassaladores que nos acompanhavam dias ao som de músicas que faziam todo o resto emudecer...
    Brava!...beijos

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  10. Não assisti esse filme, mas, pela descrição, descobri que perdi um espetáculo. Um espetáculo que descreve o relacionamento exatamente como ele é. A euforia que não resiste ao tempo... nunca. Um abraço!

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  11. A simplicidade do filme reflecte a característica principal do desejo: O desejo é simples, primário, uma pulsão crescente. As consequências...são o ponto fulcral do filme. Excelente post.Excelenete recensão crítica

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  12. Quanto tudo está em crise, os clássicos são a nossa tábua de salvação. Parece que Mónica vai ter o verão mais cedo. Está um calorão. Daqui a pouco vou à praia. Talvez a encontre. Vou-lhe dizer para não perder o post no Absolutely-roserouge.
    Está simplesmente demais, como diz Caetano.
    You're the best!

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  13. Vou procurar na locadora para tentar assistir. Esse filme tem quase a minha idade! Parabéns. Elza

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  14. Eu já não digo que quero o Verão de volta. Mas a Primavera pode ser ?...

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  15. Posso imaginat Bé, que nesta época a consagracao de um desejo era muito dificil de ser realizado sem o preco da culpa.

    Òtima lembranca.

    Bjus

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  16. Não conhecia o filme, parece interessante, não sei se entendi bem, mas parece que mostra o conflito entre nossa ideia de vida perfeita e a rotina do dia a dia.

    Acho que o desafio de nossa vida é viver a vida perfeita dentro do dia a dia.

    Abs.

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  17. Bela lembrança. Um ótimo filme.

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  18. O amor compensa os sacrificios e as desilusoes

    Pois ha sempre as recordações...

    O risco vale sempre! Sempre

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  19. Uma postagem excelente!
    Parabéns e boa semana,

    Milouska

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  20. Fico curiosa agora para ver o filme. Lindo!
    Um beijo e boa semana pra vc!
    CON

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  21. Obrigada a todos pela visita e simpáticos comentários! Bjs e boa semana pra vocês também.

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  22. lindo seu post.... adorei!! parabens pela bela participação da blogagem coletiva.

    abraços

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  23. Olá amiga. Mais um companheiro da blogagem do "Desejo" que acaba de chegar. Gostei da descrição do filme Mónica e o Desejo, mas sobretudo dos apartes que introduz. Excelente forma de caracterizar o desejo carnal e não só. Fiquei satisfeito por conhecer o seu blog e espero voltar. Tudo de bom para si.

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