Richie Havens“Pensei: “Meu Deus, eles vão-me matar. Não vou enfrentar o palco sozinho! O quê? Estão malucos?” era uma sexta – feira à tarde, por volta das 15 horas e o concerto estava atrasado quase três horas. Eu deveria ser o quinto na ordem do programa; os outros artistas tinham ficado no hotel a cerca de 11 quilómetros dali. Pensei: “Eles vão atirar-me com latas de cerveja e tudo porque o espectáculo já ultrapassou a hora marcada”. Então, fiz um pouco de conversa mole e estive praticamente três horas sentado até que finalmente alguns dos outros resolveram aparecer.

O meu baixista, Eric Oxendine, tinha sido apanhado pelo trânsito na New York State Thruway. Ele tinha abandonado o carro a cerca de 49 quilómetros e vindo todo esse caminho a pé. Quando chegou, já tínhamos actuado. No momento em que saímos, deixando para trás o festival, não havia na estrada nenhum outro automóvel além do nosso. Havia por volta de 121 quilómetros de carros estacionados em fila. Foi a coisa mais surrealista que jamais vi na minha vida.

A minha recordação mais precisa foi o ter-me apercebido de que o que eu estava a presenciar naquele momento era algo que nunca imaginara: uma assembleia em sintonia. E, acreditem-me, ninguém gostaria de estar num lugar daqueles a abarrotar de gente se não se tratasse de um grande número de pessoas na mesma onda. Foi a expressão primeira da primeira geração unida pelo mesmo objectivo nascida neste planeta. O Live Aid foi um filho de Woodstock, uma criança de Woodstock, a que eu chamei Globalstock.
A história de estarmos todos uns com os outros, numa boa, é interessante. No início, não se tratava apenas da música, mas de algo como “
vamos todos para o parque comer guloseimas e estar uns com os outros”. Daí, partiu-se para o Festival Pop de Monterey – um concerto gratuito realizado em 1967 – depois veio a ideia de “
tentemos fazer uma coisa destas, mas também ganhar algum dinheiro”. No entanto, isso nunca aconteceu. Woodstock tornou-se no mais universal e no maior momento de confraternização casual a que eu chamo o “Acidente Cósmico”. Totalmente inesperado.

Os organizadores pensaram que se fosse como o Monterey Pop – que reuniu 50 a 60 mil pessoas – eles se encheriam de dinheiro. Contudo, estiveram na primeira tarde do festival cerca de 400 mil pessoas. Se alguém conseguiu um bom lucro foi a Warner Bros., com os direitos de filmagem. O mérito de Woodstock ser amor, paz e harmonia acabou por assentar nos pilares do “
vamos ganhar dinheiro”. No princípio foi assim. O conhecimento das coisas veio depois.
O filme registou isso e nem sequer ligou muito à música. Viam-se alguns dos artistas a tocar uma ou outra música, mas nem metade dos que actuaram. Não foi, por isso, uma descrição do que se passou no palco, mas apercebemo-nos do que membros da geração mais velha, como chefes de Polícia que diziam: “
Deixem os miúdos em paz, eles são bestiais e não estão a maçar ninguém”. Para as pessoas que estiveram lá, a música não foi o mais importante.

Woodstock não foi só sexo, drogas e rock‘n’roll. Graças a Deus pela música, porque quem a pôde ouvir, apercebeu-se do espírito que uniu toda aquela assembleia, o espírito das pessoas serem apenas pessoas.”
(continua)
Grande epopéia!Parabéns pela postagem!
ResponderEliminarMuito louco tudo por aqui, terei que voltar com muuuuita calma, mas vim pelo seu comentário no armazém do peri s.c. ! Morri de rir com o que vc falou, "escreveu" sobre a lâmpada caída no chão... Cara, eu ri muito!
ResponderEliminarAdorei, Bjus CON
Eduardo, estou toda contente por vocês estarem a gostar! Tem que chegue até ao fim da semana!
ResponderEliminarConceição, bem-vinda por aqui. Mi casa es su casa! Bj
Richie...! O homem que tocava só com o polegar da mão esquerda carregando nas cordas e zurzia forte com a palheta na mão direita. Uma figura! Grande história. Estou cheio de inveja... Onde arranjaste isto?
ResponderEliminarJorge, não leste a primeira parte do primeiro post de ontem...tá lá explicado!
ResponderEliminarRR
ResponderEliminarUma bela e sensível análise essa do Richie Havens.
Li, na época, que ele arrancou os dentes superiores para ...cantar melhor. Muito loucos foram esses tempos.
Bé, a série está muito boa. O sonho ainda nao acabou!!!
ResponderEliminarNo Brasil tivemos o Rock in Rio que foi uma loucuuuuuuuuuuuura!!!
Abrcaos
Peristock: arrancou os dentes de cima? rsrsrsr...o Marilyn Manson também mandou tirar as costelas flutuantes para se poder dobrar para a frente e...bom, deixa pra lá...
ResponderEliminarGeorgia: nós cá também temos Rock In Rio de dois em dois anos...
OK. Já percebi a origem. É sempre bom guardar as coisas de que gostamos.
ResponderEliminarVi o Richie Havens nos anos 80 em Setúbal num festival estranho. Acho que foi o único. Tocou como ninguém. Como estava longe, fui-me aproximando lentamente do palco, fugindo aos diversos seguranças que não deixavam ninguém passar. Acabei por ver o concerto muito perto dele. Aí reparei que o Richie Havens não tinha os dentes de cima. Meteu-me impressão. Afastei-me e fui para uma barraca de cerveja. Lá longe, acabei por gostar mais do festival.
ResponderEliminarTb lá estava com o meu companheiro. Vínhamos do Carvalhal onde foi a primeira parte do festival. Há séculos ❤️
EliminarLOL! Que cena! Às vezes é melhor ficar na dúvida do que ter a certeza! E ao menos, lá longe não vês misérias!
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